Aos meus oito anos de idade, no ano de “formatura” do ensino infantil, tivemos de aprender a música João e Maria de Chico Buarque para apresentar aos nossos pais. E eu, tão nova, mal podia interpretar, quanto mais entender que a tão simples e delicada música poderia apresentar um significado entre-linhas tão complexo.
Mas, atualmente, posso entender que, por trás da belíssima melodia composta por Sivuca, em 1947, há uma conversa entre crianças. Presente tanto no álbum Ao Vivo: Paris, quanto no O Poeta, da coletânea de três discos, superficialmente, não haveria nenhuma relação com a ditadura militar. No entanto, conhecendo o estilo de Chico, que, como muitos outros artistas, escondia em suas letras o que realmente queria dizer e o ano em que Francisco escreveu e publicou o poema, 1977, acredito que no fundo existe uma relação, mesmo que acidental, pois ele próprio afirmou ser um dialogo infantil.
Essa conversa é feita por um menino e uma menina (interpretados por Chico e Nara Leão) que recordam momentos de sua infância (assim como recordo da minha ao ouvir a muscia), suas inúmeras fantasias e brincadeiras, mas quando crescem e a magia some, elas tem que enfrentar a vida real, acabam perdendo contato e esse é o motivo do trecho “Sumiu no mundo sem me avisar” e sem seu mundo ideal e cheio de felicidade “O que é que a vida vai fazer de mim?”.
Assim a interpretação ligada à ditadura e aos anos de opressão corta também a magnitude da interpretação menos crítica da letra, que mostra que não é tão inocente quanto parece. Porém, mesmo encarando a realidade, ainda há uma futilidade na área do conhecimento do eu lírico, sendo ele uma criança, sem muita experiência de vida.
Por isso o poema de Chico leva à interpretação de que na época da ditadura militar as crianças se escondiam em seus faz-de-contas, onde a realidade era melhor. Neste mundo “A gente era obrigado a ser feliz”, mas “Pra lá deste quintal, era uma noite que não tem mais fim”. Ou seja, fora de suas casas, era tudo escuro, não sabiam realmente o que acontecia.
“Você sumiu no mundo sem me avisar e
agora eu era um louco a perguntar:
o que é que a vida vai fazer de mim?”
Na verdade, essa é a mais marcante das passagens do texto, que se refere às pessoas contra a ditadura que sumiram durante estes anos.
Além da geniosidade da letra, a forma da música é interessante, não havendo repetições de estrofes, portanto sem refrão, abertura e fechamento. Isso causa um efeito quase que narrativo e cronológico. O ritmo é calmo e bem marcado e a melodia levada pela flauta transversal, linda, impactante e muito bem escrita por Sivuca.
E, com todos esses elementos, Chico Buarque cria uma atmosfera musical harmônica e crítica ao mesmo tempo, e que permanecera sempre na minha memória e na história da música. Afinal, que música de Chico não fica?
Helena Vincent
FONTES: analisedeletras.com.br/chico-buarque/joao-e-maria/