quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Muito Mais do que um Faz-de-Conta

Para uma criança de aproximadamente oito anos, em pleno século XXI, é meio incomum ouvir e gostar de uma música com tantos significados e críticas em sua letra. Ainda mais se sua letra foi escrita em um contexto histórico completamente diferente da realidade desta criança, eu.

Aos meus oito anos de idade, no ano de “formatura”  do ensino infantil, tivemos de aprender a música João e Maria de Chico Buarque para apresentar aos nossos pais. E eu, tão nova, mal podia interpretar, quanto mais entender que a tão simples e delicada música poderia apresentar um significado entre-linhas tão complexo.

Mas, atualmente, posso entender que, por trás da belíssima melodia composta por Sivuca, em 1947, há uma conversa entre crianças. Presente tanto no álbum Ao Vivo: Paris, quanto no O Poeta, da coletânea de três discos, superficialmente, não haveria nenhuma relação com a ditadura militar. No entanto, conhecendo o estilo de Chico, que, como muitos outros artistas, escondia em suas letras o que realmente queria dizer e o ano em que Francisco escreveu e publicou o poema, 1977, acredito que no fundo existe uma relação, mesmo que acidental, pois ele próprio afirmou ser um dialogo infantil.

Essa conversa é feita por um menino e uma menina (interpretados por Chico e Nara Leão) que recordam momentos de sua infância (assim como recordo da minha ao ouvir a muscia), suas inúmeras fantasias e brincadeiras, mas quando crescem e a magia some, elas tem que enfrentar a vida real, acabam perdendo contato e esse é o motivo do trecho “Sumiu no mundo sem me avisar”  e sem seu mundo ideal e cheio de felicidade “O que é que a vida vai fazer de mim?”.

Assim a interpretação ligada à ditadura e aos anos de opressão corta também a magnitude da interpretação menos crítica da letra, que mostra que não é tão inocente quanto parece. Porém, mesmo encarando a realidade, ainda há uma futilidade na área do conhecimento do eu lírico, sendo ele uma criança, sem muita experiência de vida.

Por isso o poema de Chico leva à interpretação de que na época da ditadura militar as crianças se escondiam em seus faz-de-contas, onde a realidade era melhor. Neste mundo “A gente era obrigado a ser feliz”, mas “Pra lá deste quintal, era uma noite que não tem mais fim”. Ou seja, fora de suas casas, era tudo escuro, não sabiam realmente o que acontecia.

“Você sumiu no mundo sem me avisar e

agora eu era um louco a perguntar:

o que é que a vida vai fazer de mim?”

Na verdade, essa é a mais marcante das passagens do texto, que se refere às pessoas contra a ditadura que sumiram durante estes anos.

Além da geniosidade da letra, a forma da música é interessante, não havendo repetições de estrofes, portanto sem refrão, abertura e fechamento. Isso causa um efeito quase que narrativo e cronológico. O ritmo é calmo e bem marcado e a melodia levada pela flauta transversal, linda, impactante e muito bem escrita por Sivuca.

E, com todos esses elementos, Chico Buarque cria uma atmosfera musical harmônica e crítica ao mesmo tempo, e que permanecera sempre na minha memória e na história da música. Afinal, que música de Chico não fica?

Helena Vincent

FONTES: analisedeletras.com.br/chico-buarque/joao-e-maria/